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RAPIDINHAS

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Crianças selvagens: os casos de crianças criadas por animais

A lenda do Mogli, o menino que foi criado por lobos e outros animais da selva após se separar dos pais quando bebê, apareceu pela primeira vez na obra O Livro da Selva, escrito por Rudyard Kipling em 1894. De lá pra cá, a história ganhou inúmeras adaptações, se tornando um clássico cinematográfico, principalmente depois da versão produzida pelos estúdios Disney em 1968.

Incialmente, o conto do menino lobo se tratava de uma alegoria racial que endossava a dominação do homem sobre a natureza, além de também servir de metáfora para a relação entre colonizadores e colonizados.

Porém, fora do campo das artes, o personagem também nomeia um distúrbio que parece pouco provável, mas que sempre choca quando algum caso é noticiado: a Síndrome do Mogli. O termo é usado nos casos das chamadas crianças selvagens — indivíduos que não são socializados adequadamente, portanto, incapazes de interação social normal. Entre esses casos, as pessoas podem até apresentar uma capacidade limitada de fala e ter um compreendimento mental subdesenvolvido. Tão chocantes o quanto parecem, a maioria das histórias encontradas pela internet não são exatamente descritas de maneira real, e muitos dos casos são permeados por relatos sensacionalistas, sendo alguns apenas hoax ou histórias falsas inventadas. 

O que está por trás destes casos é muito mais triste - o abandono de crianças. Muitas dessas crianças foram abandonadas porque tiveram alguns problemas de comportamento ou dificuldades psicológicas, muitas vezes por pais com problemas de alcoolismo ou dependência a alguma outra droga. Assim, as crianças se voltaram para outras fontes de reforço positivo, que por acaso eram animais. Os animais, por outro lado, não têm tanto senso paternal para "adotar" um bebê de uma espécie diferente. De qualquer forma, seja com um fundo sensacionalista, relatos exagerados ou não, as histórias sobre crianças selvagens são sinistras e desconfortáveis, não importa a causa.

Abaixo selecionamos as histórias de crianças ferais cujos relatos possuem mais fontes e detalhes:

Ivan Mishukov, Rússia, 1998



Nascido em Reutov, na Rússia, em 6 de maio de 1992, o garoto Ivan Mishukov enfrentava problemas sociais desde a infância, ainda dentro de sua casa. Do nascimento aos quatro anos de idade, sofria com fome, agressões e desamparo de sua mãe, uma mulher alcoólatra. Para piorar, o desconhecimento de sua paternidade e a chegada de um padrasto tornou os episódios ainda mais frequentes.

Em 1996, com distúrbios e incômodos, o garoto encontrou uma maneira de interromper o sofrimento dentro de casa, aos quatro anos de idade. Fugiu de sua residência e passou a repetir os movimentos de moradores de rua, de maneira que pedisse coisas. O garoto foi capaz de chamar a atenção de diversos pedestres, porém, se deu ainda melhor com os animais.

Com o apreço que tinha pelos cães, o pequeno Ivan tinha o hábito de brincar, fazer carinho e acompanhá-los, criando um laço de confiança. Além disso, toda vez que recebia alimentos, compartilhava com os cachorros de rua, transformando os animais em verdadeiros guarda-costas.
Acompanhado dos cachorros, o garoto passou dois anos nas ruas, entre os 4 e 6 anos de idade, caminhando até a capital Moscou. Ao invés de desenvolver habilidades sociais em decorrência da comunicação constante com andarilhos, Ivan se tornou mais recluso, pouco comunicativo e mais agressivo, como um animal selvagem.

Com os cães, entretanto, manifestava companheirismo; além de ser defendido quando algum estranho interagia com o garoto, era abraçado por diversos cães ao dormir, criando uma espécie de manta contra o frio russo. De acordo com o jornal britânico The Independent, o comportamento dos animais em relação a Ivan foi biologicamente compreendido como o de um líder de matilha, ordenando e auxiliando.

A defesa e ordens surtiram efeito; de acordo com a polícia russa, em três tentativas de recolhimento da criança para sua identificação e educação apropriada, as autoridades foram atacadas com mordidas e arranhões, enquanto o jovem ágil fugia. Em 1998, a polícia de Moscou definiu um plano para a sua captura, de maneira que o mesmo fosse conduzido para uma avaliação psicológica.

Deixando uma isca apetitosa para o bando de cães, a autoridades conseguiram desviar a atenção e recolher Ivan, que resistiu com gritos e agressões, mas falou poucas palavras compreensíveis. Em boa parte do tempo, o garoto rosnava, reproduzindo os sons dos cachorros. O garoto não foi devolvido aos pais biológicos, porém passou a ser acompanhado por educadores e psicopedagogos.
Em pouco tempo, retomou a fluência na língua russa e perdeu os trejeitos animais, sendo conduzido a uma escola militar, onde conseguiu se readaptar socialmente. Tornou-se conhecido nacionalmente como “o garoto fera”, sempre apresentando uma feição zangada. Ao chegar à fase adulta, seguiu carreira militar e foi descrito pelo jornal Daily Mail como um rapaz inteligente e bem-humorado.

A história foi usada pela dramaturga britânica Hattie Naylor para escrever a peça “Ivan and The Dogs” (“Ivan e os Cachorros”, em inglês) premiada pela crítica especializada e adaptada no Brasil pela Cia Cor de Teatro, com o nome “Entrecães”. 

Ivan, no clipe da música 'Ifan', feito pela banda 9Bach em 2018 / Crédito: Divulgação/Youtube/Real World Records

Além disso, o próprio Ivan fez uma participação no clipe da música “Ifan”, da banda russa 9Bach, que conta a história de um garoto guiado pelos animais.

Oxana Malaya, Ucrânia, 1991


Nascida em 1983, na Ucrânia ainda sob controle da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a garota Oxana Malaya teve o azar de ser fruto de dois pais alcóolatras e negligentes. Aos três anos, a menina foi deixada para fora de casa, e se abrigou sozinha numa pequena casa onde ficavam alguns cachorros.

Ao lado de seus pais, ela se sentia esquecida e renegada. Vítima de constantes agressões acabava urinando de tanto medo. Ela não estava, em termos de distância, longe da família, mas socialmente era completamente renegada por aqueles que a tinham concebido Logo, restou a família que nunca negou criá-la: os cachorros. Como não tinha interações com humanos, a falta de contato fez com que esquecesse que era humana; todos os seus gestos eram copiados dos animais.

Uma vez que os cachorros não respondiam com palavras, ela foi deixando de lado a sintaxe humana, e a substituiu por latidos. Malaya andava de quatro na grama da fazenda onde morava, arqueada, correndo desse jeito e com a língua de fora. Quando sentia algo pinicando sua orelha, fazia como todos os outros membros de sua família canina, e usava o pé para aliviar o coçar.

A alimentação da pequena vila onde morava já não era aquelas coisas; com poucos recursos, os cachorros que por lá viviam (maioria de natureza selvagem) comiam carne crua e tomavam água que ficava ao redor de torneiras, esses eram os banquetes da menina. Essa foi sua vida até os seus oito anos de idade, quando, depois da denúncia de um vizinho, que a flagrou vivendo com cães selvagens. 

Existem poucos documentos que descrevessem os estados físicos e psicológicos exatos de Oxana, dando a entender que as autoridades tinham receio em reconhecer o caso, ou medo em documentar, uma vez que uma denúncia sobre negligência no ponto que a menina tinha sido deixada seria extremamente vergonhoso.

A história rapidamente ganhou notoriedade, e pouco tempo depois da denúncia a criança selvagem passou a ser estudada e viver sob cuidados de pessoas especializadas em portadores de deficiências mentais.

A atenção da mídia foi resgatada em 2006. Uma equipe britânica de documentários, liderada pela especialista em crianças selvagens Lyn Fry, foi até a Ucrânia para ver como era a vida de Oxana, que passou a viver numa clínica para cuidados mentais, o que teria ocorrido cinco anos depois que um grupo do Discovery Channel gravou a entrada dela em uma dessas clínicas. O objetivo de Fry era verificar se a moça teria se adaptado a vida em sociedade com humanos, e como esse tempo selvagem teria danificado sua cabeça. Para surpresa dela e da equipe, encontraram uma pessoa diferente do que era imaginado.

Malaya já em sociedade, durante documentário / Crédito: Divulgação

A impressão da britânica foi a de que: "a linguagem dela é estranha. Ela fala de maneira direta como se fosse uma ordem. Não há cadência, ritmo ou música na fala dela, nenhuma inflexão ou tom. Mas ela tem senso de humor. Ela gosta de ser o centro das atenções, de fazer as pessoas rirem. Se mostrar é uma habilidade surpreendente quando você considera as origens dela". 

Toda vez que era presenteada com algo, o primeiro instinto de Malaya era esconder, assim como um cachorro que ganha uma recompensa. Seus dentes eram um tanto deformados, — muito por conta do uso excessivo deles para atividades não naturais dos seres humanos —, andava de maneira não tão natural, com os ombros oscilando: ela não estava acostumada com o balanço necessário para andar como gente.

A sua idade mental era a de uma criança de seis anos, que se entediava facilmente com atividades mundanas. Isso é uma informação curiosa, uma vez que a jovem trabalhou em uma fazenda depois de resgatada para retomar o convívio com pessoas. Suas capacidades matemáticas se limitavam a somente contar, sem também saber soletrar o próprio nome e muito menos ler. 

Diferente do que era especulado para muitas crianças criadas fora da sociedade, ela não apresentava um espectro autista. As experiências realizadas com a garota comprovam uma tese de especialistas, que dizem ser impossível para uma criança aprender uma língua se nada for ensinado a ela até seus cinco anos de idade — Mayala só conseguiria aprender graças a pequena bagagem que acumulou em seus primeiros três anos de vida.

Em 2006, o pai da garota decidiu reencontrar a filha que havia renegado. Enquanto isso, Oxana trabalhava em uma fazenda, cercada de pessoas pacientes que a respeitavam, embora faltasse um profissional terapêutico.
O pai estava acompanhado da meia-irmã mais nova da garota, Nina, a quem nunca tinha conhecido. O primeiro contato entre eles foi desajeitado, um pouco tímido. Ela quase não se lembrava do homem.
A conversa acabou desenrolando, muito formalmente, com Oxana contando de sua rotina na fazenda, e convidando o pai e irmã conhecerem um pouco mais do seu dia a dia. Em dado momento, Nina começa a chorar, e é a própria garota renegada que a consola.

Especialistas acreditam que ela não irá se desenvolver intelectualmente diante dos anos perdidos enquanto vivia com os cachorros. Porém, tendo em mente outros casos de crianças selvagens, o saldo da vida da ucraniana pode ser considerado positivo. Aos 36 anos de idade, ela ainda cuida de vacas e da fazenda que a acolheu de verdade.

Shamdeo, Índia, 1972

Shamdeo-projeto fotográfico por Julia Fullerton-Batten

Shamdeo, um menino lobo de cerca de quatro anos de idade, foi descoberto em uma floresta na Índia em 1972. Ele estava brincando com filhotes de lobo. Sua pele era muito escura e ele tinha dentes afiados, unhas compridas como garras, cabelos emaranhado e calos nas palmas das mãos, cotovelos e joelhos. Ele gostava muito de caçar galinhas, comia terra e tinha desejo de sangue. Ele se apegava a cães.
Finalmente ele foi desabituado a comer carne crua, nunca falou, mas aprendeu um pouco de linguagem de sinais. Em 1978, ele foi admitido na Casa da Madre Teresa para os Desamparados e Moribundos em Lucknow, onde foi renomeado Pascal. Ele morreu em fevereiro de 1985.

Vanya Yudin, Rússia, 2008

Vanya Yudin-projeto fotográfico por Julia Fullerton-Batten

Na ocasião, assistentes sociais encontraram um menino de sete anos de idade, chamado Vanya Yudin, que vivia em uma minúscula casa rodeado de gaiolas com pássaros. Segundo relatado na época pelo Daily Mail, o jovem foi achado em um minúsculo apartamento de dois quartos que parecia funcionar como um aviário, cheio de gaiolas contendo dezenas de pássaros. Tudo isso rodeado por grãos e fezes dos animais.

De acordo com a assistente social Galina Volskaya, que ajudou a resgatar o "garoto-pássaro" de sua casa em Kirovsky, o menino era tratado como um animal de estimação por sua mãe, que tinha 31 anos na época. "Quando você começa a conversar com ele, o garoto ciscava”, disse Volskaya. As autoridades russas informaram que o menino não foi encontrado ferido e nem apresentava sinais de violência física, mas informaram que o jovem sofria da síndrome de Mogli.

Segundo o jornal Pravda, a mãe do menino tinha seus próprios pássaros domésticos e tratava seu filho como um deles, sem nunca o ter deixado passar fome ou lhe agredido. Entretanto, a matriarca nunca conversou com sua cria — que só se comunicava com as aves por meio da “linguagem dos pássaros”.

"Ele apenas piava e, ao perceber que não é compreendido, começava a abanar os braços do mesmo modo que os pássaros batem as asas”, relatou a assistente social ao explicar o comportamento do jovem que era incapaz de se comunicar normalmente com outra pessoa.

Após ser descoberto, a mãe do garoto assinou um formulário de abdicação para liberá-lo de seus cuidados. Assim, o Menino Pássaro, como era chamado, foi encaminhado para viver temporariamente em um asilo, mas tempos depois foi transferido para um centro de atendimento psicológico, onde especialistas iriam tratá-lo na tentativa de reinseri-lo na sociedade algum dia.

Madina, Rússia, 2013

Madina-projeto fotográfico por Julia Fullerton-Batten

Nos seus primeiros anos de vida, a pequena russa Madina teria sido criada por cães, assim como o personagem Mogli. Após receberem uma denúncia, assistentes sociais compareceram na residência da mãe de Madina, onde encontraram a criança roendo ossos com os animais. Segundo as autoridades, a mãe da garota era dependente alcoólica e incapaz de cuidar da própria filha.

Logo quando nasceu, Madina foi abandonada pelo próprio pai e criada sozinha pela mãe. Em entrevista ao portal The Telegraph, em 2009, as autoridades disseram que a garota mal sabia pronunciar uma única palavra, e que os cães cuidaram dela em diversos momentos.

Com menos de três anos de idade na época, Madina foi privada de amor e carinho fraternal, encontrando proteção nos cães da família. A criança não foi educada, ainda, para se alimentar na mesa ao lado da mãe, e tinha o hábito de comer no chão junto de seus protetores de quatro patas. "Os cães se tornaram seus melhores amigos. Ela brincou e dormiu com eles quando fazia frio no inverno", disse o porta-voz em entrevista ao The Telegraph, em 2009.

Sob os cuidados da autoridades de Ufa, na Rússia central, Madina recuperou-se da educação incomum. Na época em que a polícia resgatou a criança, a mãe teria alegado que cuidava da filha. No entanto, os médicos comprovaram o oposto. A boa notícia é que, embora seu vocabulário fosse limitado à palavras como "sim" e "não", os exames alegaram que a criança possuía uma saúde mental e física saudável, mesmo vivendo em circunstâncias incomuns.

Sujit Kumar, Fiji, 1978


Não se sabe ao certo o grau de abuso que Sujit Kumar teve de enfrentar na infância. A única certeza é que ele viveu em condições desumanas — primeiro, nas mãos cruéis do avô e depois, sob a tutela irresponsável de uma casa de repouso.

Todavia, o que chocou mais foi a primeira tortura, que o fez acreditar que ele era uma galinha. Foram 6 anos em um galinheiro, ao lado de aves domésticas, em um remoto vilarejo no interior de Fiji, na Oceania. Sujit Kumar perdeu os pais quando ainda era uma criança naquele lugar pacato. A mãe tirou a própria vida e o pai foi morto em seguida. Ele então ficou a cargo dos avós e seu avô o submeteu à uma rotina cruel, colocando o garoto em um galinheiro, no andar debaixo da casa.

O menino então passou a acreditar que era apenas uma ave de criação. Embora não haja grandes detalhes sobre como ele vivia, os traumas analisados mais tarde por psicólogos americanos mostraram que ele comia apenas bicando o chão, arranhava a terra e se comunicava por meio de ruídos.
Certo dia, Kumar foi visto ciscando em uma estrada, como uma galinha. Aquilo chamou a atenção de agentes sociais, que o acolheram e reuniram parte de seu passado. Todavia, o garoto acabou sendo encaminhado para uma instituição de repouso, chamada Casa do Povo de Samabula.

No entanto, por demonstrar comportamento agressivo, ele passava 24h por dia praticamente amarrado à uma cama, na instituição em Fiji. Passaram 22 anos nos quais Kumar ficou nessa situação de descaso. Somente no fim de 2002 ele foi libertado e passou por sessões de terapia.
O resgate final ocorreu em 2002, graças à organização de serviços humanitários Rotary Clube. Fez parte da empreitada uma mulher viúva de um escalador do Everest, chamada Elizabeth Clayton. Na ocasião, a comitiva de Clayton vinha apenas para doar mesas de plástico, mas, ao descobrirem o menino, tiveram que fazer algo.

A voluntária jamais se esqueceu da primeira vez que olhou para Sujit Kumar. “Ele estava tão debilitado e maltratado. Apanhou no rosto e tinha os dedos inchados, além dos dentes e o nariz quebrados. Quando o vi, eu não sabia se era uma criança ou um homem. Sua aparência era decrépita. A barba estava longa e as pessoas pensavam que ele era selvagem", relatou.

Sujit Kumar e a cuidadora Elizabeth Clayton/Crédito: Divulgação/Facebook/Programa Australian Story

Sensibilizada pelo sofrimento do jovem, Clayton estava certa de que não podia simplesmente virar as costas. Começou a frequentar mais vezes a casa de repouso, até que decidiu levar o garoto para morar na casa dela. No começo, foi bem difícil. “Ele ‘bicava’ a parede e coisas assim. Sujit também não conseguia dormir na cama; então, se levantava e se empoleirava na cadeira, por exemplo”, lembrou a mulher.

Com o passar do tempo, o rapaz seguiu tendo comportamentos incomuns e as vezes agressivos, mordendo e arranhando a mãe adotiva. Em 2013, Clayton desabafou dizendo que desejava que ele conseguisse falar e manter hábitos pessoais, como escovar os dentes e ir ao banheiro sozinho.

A mulher tinha se mudado com Kumar para a Austrália, onde ele passava por consultas com vários especialistas — de professores, neurologistas a fonoaudiólogos. Apesar da dedicação da tutora, o governo de Fiji certa vez chegou a tirar a guarda do jovem das mãos dela, mas após entrar no tribunal com um recurso, a voluntária conseguiu o rapaz de volta.

Já com mais de 40 anos de idade, Sujit Kamar não consegue falar, apenas se comunicar por meio de gestos. Em sua homenagem, a tutora dele criou uma organização beneficente de ajuda a crianças com vulnerabilidade social em Fuji, chamada The Happy Home Trust.

Vez ou outra, o homem ainda sacode a cabeça e cisca como uma galinha. Mas isso é algo que ele ainda está tentando corrigir. Além disso, surgiu uma explicação para a rejeição que levou Kamar a ser tratado como uma galinha na infância.

Ele foi diagnosticado posteriormente com epilepsia, condição cujos sintomas foram encarados como algo negativo com base em lendas locais de Fiji. "Por causa das crises, os familiares pensaram que era um espírito demoníaco e daí quiseram se livrar dele", contou o primo, Bob Kumar.

John Ssebunya, Uganda, 1991

John Ssebunya - Molly and Paul Child Care Foundation/Divulgação

John Ssebunya, um pequeno menino ugandês, tinha apenas de 2 a 3 anos quando viu sua mãe ser morta pelo próprio pai. Não se sabe o ano quando esse episódio fatídico ocorreu — só que mudou a vida daquele garotinho para sempre.

Naquele período, se sabe que a menino vivia na região da aldeia Bombo, na Uganda, lá pela década de 1980. Assim que sua mãe foi assassinada brutalmente, John teve medo de que o pai também o matasse. Então, ele fugiu. O seu destino foi um local inóspito e assustador para qualquer criança: a floresta. Por alguns anos, John Ssebunya criou um laço profundo com macacos. No entanto, conforme noticiou o jornal The Guardian, o próprio se lembra vagamente do primeiro contato que teve com os primatas. Teria acontecido após um bando se aproximar dele e oferecer raízes, nozes e batata doce.

No começo, os macacos foram cautelosos, mas duas semanas depois teriam ensinado o menino a subir em árvores e procurar comida. E assim foi, até que ele completasse cerca de 6 anos de idade. Naquela altura, já era o ano de 1991. Um belo dia, uma mulher habitante local, chamada Millie, estava andando pela floresta quando notou algo estranho em um dos macacos. Ele não tinha rabo. Quando examinou mais de perto, foi um grande choque: era, na verdade, uma criança.

Millie se apressou e procurou por ajuda. Os colegas primatas de John ficaram bem bravos, jogando pedras e gritando. Porém, o menino não resistiu e foi resgatado, sendo levado até um orfanato.

Primeiro de tudo, ele ganhou comida quente. No entanto, ficou três dias terrivelmente doente, pois seu organismo não estava acostumado com aquela forma de alimentação. Enquanto isso, uma equipe de profissionais removeu vermes das costas e intestino de John — alguns eram tênias com cerca de 1 metro de comprimento. O garoto também tinha ferimentos e arranhões. A tarefa de reabilitar John Ssebunya ficou a cargo de Paul e Molly, que eram donos do orfanato onde o menino foi internado. O garoto não sabia andar ereto, nem falar ou chorar. "Ele era selvagem", recordou Paul, ao The Guardian. “Ele tinha muitos cabelos, o que é aparentemente comum em crianças selvagens. Seus joelhos haviam ficado quase brancos, ao pisar neles. Suas unhas cresceram imensamente e se enrolaram", descreveu.

Conforme os anos foram passando, John aprendeu a falar e chegou até a fazer parte do coral infantil da ONG Pearl of Africa. Depois, em 1999, a história do garoto foi retratada em um documentário produzido pela rede BBC.
John Ssebunya mais velho, ao lado de macacos/ Crédito: Molly and Paul Child Care Foundation/Divulgação

Em entrevista dada no mesmo ano ao veículo de notícias, a dentista Hillary Cook, que ajudou a organizar a turnê de canto na qual participou John, contou que o ugandês não era muito diferente das outras crianças, além de alguns detalhes. "Ele é um garoto tímido e ainda fala devagar, mas quando canta, tem a voz mais maravilhosa", contou a mulher.

John nunca reencontrou o pai. Acredita-se que ele morreu nos distúrbios civis em Uganda, no início dos anos 90. Órfão, ele viveu sua vida pós-floresta com Paul e Molly. Aos 14 anos de idade, na companhia dos guardiões adotivos, o rapaz contou que era grato aos macacos, que os permitiram ser amado também por humanos.

Em 2012, a antropóloga britânica Mary-Ann Ochota defendeu a veracidade da história de John Ssebunya ao jornal The Independent. "Não se trata de mais uma lenda, mas sim de um caso real que estamos investigando", escreveu.

John Ssebunya durante a vida adulta / Crédito: Molly and Paul Child Care Foundation/Divulgação

O aniversário de John é inventado e é celebrado todo dia 3 de julho. Na adolescência, ele ainda apresentava modo de andar meio desigual, além de dificuldade de entender questões muito emotivas. No entanto, aprendeu a jogar futebol e sorria com suas gengivas para trás. Seu plano para o futuro, segundo ele, era trabalhar com animais — galinhas e porcos. Nada de macacos.


Fontes:
1, 2, 3, 4

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